Uma crônica de Rogerio Moreira
Já passava das 20h e eu estava no meu segundo café. Entre uma xícara e outra, saboreava aquela sensação que há muito não experimentava. O Café Hugo é um dos meus preferidos na cidade e esse era meu segundo dia em Paris depois de quase dois anos de abstinência da cidade… Ah, como eu estava com saudades…
Uma olhada no jornal, uma espiada no celular e a vida passava de mansinho, sem pressa, do jeito que gosto. A vantagem do verão por aqui é que os dias parecem infinitos e a gente se perde no tempo, aliás, se perder em Paris é uma das melhores sensações que uma pessoa pode ter. Deveria ser obrigatório toda pessoa se perder pelo menos uma vez na vida por aqui. E foi justamente “flanando” pelo Marais, que numa bela tarde chuvosa, há quase de 10 anos, eu encontrei este local simplesmente mágico. Estamos na Place des Vosges.
Quando a gente está sozinho é quase impossível não começar a prestar atenção na conversa alheia. Na mesa à minha direita, duas senhoras conversavam em inglês, sobre política e tomavam uma xícara de chá acompanhado de um croissant. O pequeno cão de umas delas estava “na espreita” para o caso de uma parte daquela delicia vir parar em sua boca. Elas pareciam ser mãe e filha… ou sogra e nora… jamais saberei, mas isso não importa…
Já na mesa à esquerda, um casal jovem dividia uma garrafa de vinho enquanto falavam sobre o embrulho que estava sobre a mesa: um objeto de arte, que pelo jeito haviam adquirido ali mesmo, em umas das diversas galerias que rodeiam a praça.
Quando o sol finalmente deu sinais de que iria se pôr, paguei a conta e calmamente caminhei alguns metros em direção a um dos charmosos bancos daquela praça. Meus passos naquele piso de areia grossa, tipo saibro, produziam uma sonoridade que me fazia bem aos ouvidos… Sob uma árvore, podia observar pais brincando com seus filhos ainda crianças na grama verde, grupos de jovens fazendo pic-nic, casais românticos trocando olhares apaixonados e pássaros que se ajeitavam nas árvores para alí passar a noite.
O céu azul, servia de tela para os aviões que passam e deixam suas riscas brancas no horizonte e com os olhos para o alto eu podia ver também as janelas com seu arranjos de flores em tom de vermelho impecavelmente cuidadas.
Enquanto contemplava tudo isso, eu imaginava como seria a rotina de um dos meus grandes ídolos, Victor Hugo, que viveu em uma dessas elegantes residências, mais precisamente no número 6 desta praça, onde hoje abriga um museu em sua memória.
Victor Hugo tinha 30 anos quando se mudou para este apartamento de 280m², no segundo andar do então Hotel de Rohan-Guéménée, com sua esposa Adele. E lá eles viveram por 16 anos, entre 1832-1848.
LEIA O ARTIGO SOBRE A MAISON DE VICTOR HUGO
Será que parte de sua inspiração teria vindo daqui? Teria ele caminhado por essa praça ou ainda, passado suas tardes por aqui? Se sentado neste banco no qual me encontro agora?
Paris tem dessas coisas. Onde você estiver, será abraçado pela história e pela sensação de que algo de muito importante aconteceu bem no local onde você está.
Quando dei por mim, a noite já se apresentava e o espaço foi ficando mais vazio, porém, não menos charmoso. Agora, as luzes davam um toque especial em cada árvore, em cada fonte e também nos cafés e galerias de arte que de forma privilegiada, alí estão instalados.
Já passam das 21h e com uma indescritível sensação de felicidade, sigo o caminho de volta para o apartamento. A duas quadras da estação Bastille, uma leve garoa me pega de surpresa. Ensaio uma corrida mas depois deixo que ela me molhe, afinal dizem que ir a Paris e não experimentar sua chuvinha típica é a mesma coisa de ir a Roma e não ver o Papa.
Durante o trajeto de 18 minutos no metrô, fiz minhas anotações em um caderninho que serve como uma espécie de Diário de Bordo da viagem (inclusive o rascunho deste artigo) e já preparei o roteiro para o dia seguinte – coisas de viajante. Agora, só faltava uma taça de vinho para que meu dia estivesse completo.
Uma das vantagens de se hospedar em Paris é que você acorda no dia seguinte e o seu sonho ainda continua.
LEIA O ARTIGO QUE CONTA A HISTÓRIA DA PLACE DES VOSGES
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