Você sabia que Leonardo da Vinci cruzou os Alpes franceses de mula, com a Mona Lisa na bagagem?

Mona Lisa é uma das pinturas mais icônicas de Leonardo da Vinci

Há mais de 500 anos, Leonardo da Vinci, um dos mestres incontestados do Renascimento, chegou à casa do seu último mecenas, o monarca francês Francisco I. Foi no Palácio de Clos Lucé, no Vale do Loire, a apenas 700 metros do castelo real de Amboise, que o artista italiano viveu os últimos três anos, dividindo o seu tempo entre a arte e a ciência. Trabalhava nos jardins e no atelier, rodeado de algumas das pinturas que fez questão de manter até ao fim, entre elas a célebre Mona Lisa, o retrato que ainda hoje continua a intrigar acadêmicos e curiosos, dando origem a um sem-número de teorias, umas mais fundamentadas do que outras. Diz-se que recebia com frequência o rei, que para ali chegar percorria um túnel subterrâneo que liga o castelo ao palácio de meados do século XV e assim mantinha discretas as suas visitas ao pintor.

Aqui, Da Vinci viveu seus últimos anos.

Os aposentos que Leonardo (1452-1519) teria ocupado em Clos Lucé foram restaurados e é possível percorrer espaços onde foram recriados os ambientes de trabalho do mestre. O seu atelier, a biblioteca e um escritório cheio de curiosidades (um espaço onde arte e ciências naturais se encontravam) foram recompostos com todo o cuidado, procurando reproduzir mobiliário, desenhos, rascunhos e até a luz, remetendo à época.

Atelier do grande Mestre , restaurado

Sobre a mesa vêem-se utensílios para trabalhar em papel e metal: há compassos e réguas, penas de ganso e pontas de prata, mas há também velas, lupas e pontas-secas que usava certamente para desenhar as gravuras. Nas prateleiras estão arrumadas reproduções dos livros que nunca deixava para trás, grossos volumes em papel, de obras de cientistas-historiadores como Claudio Ptolomeu e Plínio, o Velho.

Imagine atravessar os Alpes de mula com uma fortuna incalculável na bagagem..

François Saint-Bris, presidente do Palácio de Clos Lucé, faz parte da família que em 1854 comprou esta propriedade carregada de história e abriu as suas portas ao público. Depois de 15 anos de trabalhos, que custaram 12 milhões de euros, inteiramente autofinanciados (este palácio-museu recebe 360 mil visitantes por ano), a última casa de Leonardo, a mesma onde o rei francês passou boa parte da infância, tem agora uma atmosfera muito próxima da que teria no Renascimento, disse ao diário francês Le Monde o presidente e proprietário: “Era preciso devolver a Leonardo o que lhe era devido – o espírito e a aparência do século XVI.”

As obras de conservação e restauro que permitem mostrar Clos Lucé como ele era quando o mestre da Renascença ali viveu e trabalhou, fazem parte de um ambicioso projeto de intervenção que começou em 2003 com o restauro das fachadas do palácio e da capela e a criação do Parque Cultural Leonardo da Vinci, com 20 modelos das suas máquinas em escala 1:1. Seguiram-se melhoramentos no exterior do edifício e nos jardins – em 2008 foi inaugurado um espaço com muitas das mais de 300 espécies botânicas desenhadas pelo artista – até que, nos últimos seis anos, os trabalhos passaram a concentrar-se no interior.

Quarto de Da Vinci

A restauração do quarto onde Leonardo teria morrido e de onde se via muito bem o castelo do rei, ficou pronto em 2011, enriquecido com preciosos móveis da época, escreve o diário francês, chamando a atenção para um contador napolitano em ébano e marfim que aparece em grande destaque nas fotografias do site oficial do palácio. Quatro salas na cave mostram o Leonardo-engenheiro em 40 modelos das suas máquinas construídos a partir dos esboços e das anotações que deixou. São aeroplanos, tanques, helicópteros, automóveis, máquinas visionárias que refletem o gênio de um homem que viveu sempre à frente do seu tempo e que, muito provavelmente, gostaria de ver instalado nos domínios de Clos Lucé, recentemente acrescentados, o centro de investigação em arte e ciência que a família Saint-Bris, segundo o jornal britânico The Telegraph, planeja ter construído ali até 2025.

Três pinturas na bagagem

A obra São João Batista

Leonardo da Vinci tinha 64 anos quando atravessou os Alpes de mula, carregando três das pinturas em que trabalhou até morrer, a 2 de Maio de 1519. Segundo os relatos conhecidos, o teriam acompanhado nessa longa viagem o seu fiel criado milanês, Battista de Villanis, e Francesco Melzi, seu discípulo predileto a quem deixaria em testamento os seus manuscritos e desenhos. É que, além das pinturas – Mona Lisa, São João Batista e A Virgem e o Menino com Santa Ana –, Leonardo levava consigo milhares de notas e esboços sobre astronomia, hidráulica, anatomia, arquitetura, cosmologia, geologia e até paleontologia reunidos nos seus famosos cadernos, hoje espalhados por várias instituições em todo o mundo, como as bibliotecas Britânica (Londres) e Ambrosiana (Milão), o Museu Victoria & Albert (Londres) e o Castelo Sforzesco (Milão), a impressionante casa dos duques de Milão (um deles, Ludovico Sforza, foi o grande patrono do mestre da Renascença).

A Virgem, o Menino Jesus e Santa Ana

Para perceber o papel que este palácio francês tem no seu percurso, é preciso lembrar que Leonardo chegou a França depois de ter passado vários anos de um lado para o outro em Itália. Tinha-se estabelecido finalmente em Roma, no Palácio Belvedere, quando conheceu Francisco I, um rei fascinado pela arte que parece ter encontrado naquele homem de 63 anos que já trabalhara para duques e papas, autor de A Virgem dos Rochedos e de A Última Ceia, uma verdadeira inspiração.

Dizem alguns historiadores que Leonardo estaria cansado, sem dinheiro e em situação bem diferente de alguns dos artistas, seus contemporâneos, bem mais novos do que ele, que naquela altura trabalhavam em grandes encomendas no Vaticano: Michelangelo (1475-1564) estava pintando o teto da Capela Sistina; e Rafael (1483-1520) fora chamado para decorar as dependências papais, ali mesmo ao lado.

Não seria preciso muito esforço para que o artista aceitasse o convite do rei francês, que se prontificou a conceder-lhe uma expressiva pensão anual e o título de “Primeiro Pintor e Engenheiro e Arquiteto do Rei”.

Nos anos que viveu em Clos Lucé, além de pintar – pouco – e de dar continuidade às suas investigações nos mais diversos domínios do conhecimento, Leonardo não se cansou de trabalhar para o monarca. Promoveu festas suntuosas, desenhou casas móveis capazes de acomodar uma corte em viagens, projetou um sistema de canais e comportas ligando o Vale do Loire a Lyon, e deixou inacabados os planos para um castelo real em Romorantin, que deveria vir a ser a nova capital de França. Diz-se até que o projeto do Palácio de Chambord, um dos mais espetaculares do vale, tem a sua mão, embora não haja nenhuma prova concludente do traço do artista naquele que foi o pavilhão de caça de Francisco I.

No Loire, o mestre italiano dedica-se, sobretudo, a projetos de engenharia, reservando algum tempo para receber a visita de cardeais e embaixadores, figuras de prestígio no círculo de Francisco I e em outras cortes européias.

Para muitos, o palácio e os seus jardins estão hoje com cara de parque de diversões; para outros, as reconstituições, seja do atelier e do quarto, seja das máquinas voadoras no jardim, ajudam a transportar os visitantes no tempo (mesmo que não cheguem a levantar voo). Pena é que as placas que indicam que se chegou a Clos Lucé tenham escrito “o lugar onde morreu Leonardo Da Vinci” e não “o lugar onde viveu”.

O pintor florentino estava doente há já vários meses quando morreu. Ao contrário do que alguns românticos julgam ter lido nos textos de Giorgio Vasari (1511-1574), arquiteto e pintor italiano mais conhecido pelas suas biografias de artistas, Leonardo não teria morrido nos braços do rei francês, que estava a pelo menos um dia de viagem. Mas isso não diminui a amizade que haveria entre ambos – dizem as crônicas citadas pela família Saint-Bris que Francisco I costumava chamar-lhe “pai”.

Passei por aqui para trazer mais esta experiência para vocês.

Serviço:
Palácio de Clos Lucé
2 Rue du Clos Lucé, 37400 Amboise, França
Vale do Loire
Site: www.vinci-closluce.com

Site Oficial Clos Lucé / Wikipedia / www.publico.uol.com.br/culturaipsilon / Lucinda Canelas

Paris Sempre Paris
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Meu nome é Rogerio Moreira, além de jornalista, sou publicitário e estudei em instituições como PUCC, Unicamp e FGV. Apaixonado por história, acredito que o estudo de nosso passado nos ajuda a entender como nos tornamos o que somos hoje. Nesse blog, busco reunir e compartilhar curiosidades e histórias incomuns sobre Paris e a cultura francesa. Dessa forma pretendo mostrar o lado quase que desconhecido da cidade, fora dos roteiros turísticos tradicionais. Vamos comigo nessa viagem?

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