O Barão Haussmann e a Paris que conhecemos hoje

Paris é um dos destinos mais visitados do mundo mas a cidade nem sempre foi esse charme que conhecemos nos dias atuais e que encanta milhões de turistas todos os anos.

O Barão George-Eugène Haussmann.

Grande parte de Paris, até o início da década de 1850, mais parecia uma favela (foto abaixo), com ruas estreitas, sem iluminação, sem sistema de esgoto e intenso mal-cheiro, quando o imperador francês Napoleão III (sobrinho de Napoleão Bonaparte), após uma visita a Londres, onde se encantara com a modernidade e organização da capital inglesa, deu instruções ao Barão George-Eugène Haussmann, o chefe de departamento de Paris (um cargo equivalente a um prefeito nos dias atuais) para reconstruir a cidade com grandes, espaçosas e seguras avenidas.

Entre os anos de 1853 e 1870, regiões inteiras da cidade seriam demolidas e substituídas por edifícios e vias modernas.
“Era a reconstrução de Paris”, escreveu Haussmann, orgulhoso, em seu livro de memórias.

O homem demolição

Administrador público sem nenhum treinamento em arquitetura ou planejamento urbano, Haussmann transformou Paris em um enorme canteiro de obras por quase duas décadas. Apesar de ter sido forçado a deixar o cargo em 1870, quando o imperador enfrentava críticas por excesso de gastos públicos, seu projetos continuaram sendo executados até o final dos anos 1920.

Concebido e executado em três fases, o plano incluía a demolição de 19.730 prédios históricos (foto abaixo) e a construção de 34 mil novos. Foram destruídos 49km de ruas antigas e construídos 165km de novas, grandes e amplas avenidas, caracterizadas por fileiras de prédios neoclássicos em tons de creme. Tudo de forma alinhada e proporcional.

Além das grandes avenidas, Haussmann construiu grandes quarteirões, parques inspirados no Hyde Park, de Londres, um sistema de esgoto abrangente, um novo aqueduto que dava acesso amplo a água doce, uma rede de canos de gás subterrâneos para iluminar ruas e prédios, fontes complexas, banheiros públicos grandiosos e fileiras de árvores.

Haussmann definiu regras arquitetônicas específicas, criando uma homogeneidade às construções de Paris.

Fachadas em blocos de pedra, da mesma altura, que é proporcional à largura da rua. Por exemplo, para uma rua entre 9,75 metros e 20 metros, a altura máxima da fachada é de 18 metros. Outra característica é o limite de 6 andares.

O segundo andar é o andar nobre da construção, para as famílias mais ricas, para evitar muitos degraus para subir (os elevadores só passaram a existir a partir de 1870). Esse andar tem varanda e fachada ricamente ornamentada, evidentemente o mais acolhedor. Geralmente as maiores varandas (inteiras) ficam no segundo e no quinto andar (foto abaixo).

O piso térreo (rez-de-chaussée) destinava-se para lojas e o primeiro andar para os gestores do imóvel.

As charmosas janelas nos telhados, no 6° andar, são geralmente quartos mínimos, sem banheiro (que é compartilhado no corredor), frequentemente alugados para estudantes e eram conhecidos como “Chambre de Bonne”. Esses pequenos espaços serviam também para as empregadas domésticas das famílias burguesas, chamadas na época de “bonne à toute faire” (veja como eram distribuídos os espaços de um edifício na ilustração abaixo).

Essa infraestrutura urbana foi combinada com novas e ousadas estações de trem – Gare du Nord e Gare de L’Est, a imponente Ópera de Paris, de 1864 (foto de sua construção, abaixo), novas escolas, igrejas, mais de 20 praças, ambiciosos teatros na Place du Châtelet e uma sensacional rede de 12 avenidas radiais (foto principal deste post)
saindo do Arco do Triunfo. A mais famosa dessas avenidas é a Champs Elysées.

Mudança radical

Nenhuma outra grande cidade, antes ou desde então, sofreu uma transformação tão radical quanto Paris em tempos de paz. Foram necessários milhares de trabalhadores – qualificados e não qualificados – assim como arquitetos, engenheiros e paisagistas.
Esta transformação devolveu a saúde à cidade após anos de cólera e tifo.

Teoricamente, suas largas avenidas permitiam que tropas do governo se movimentassem livremente para manter a ordem em um tempo de barricadas, protestos e outros distúrbios urbanos. E, em uma época em que a cidade dobrou seu tamanho e a população triplicou, esta transformação deu a Paris um senso de unidade com um ar de prosperidade nunca antes vista em outras capitais.

Foi ainda sob a administração de Haussmann, que em 1860, que foi implantada a distribuição urbanística com 20 arrondissements (antes disso eram 12). Estes 20 arrondissements (ilustração abaixo) estão distribuídos seguindo uma espiral que se desenvolve no sentido dos ponteiros do relógio a partir de um ponto central da cidade localizado no Louvre (1º arrondissement).

Assim, os números mais baixos correspondem aos arrondissements mais centrais e números maiores a arrondissements mais distantes do centro.

Cada arrondissement é gerido por um conselho local, com funcionamento semelhante ao conselho municipal mas com poderes mais limitados.

O boulevard Henri IV antes e depois da transformação.

O que ainda surpreende é que tantas partes da cidade tenham sido destruídas e refeitas no que parece uma extravagância do imperador e Haussmann. Mas Napoleão III estava seguindo os passos de seu tio, Napoleão Bonaparte, que também tinha grandes projetos para Paris. “Se ao menos os céus tivessem me dado mais 20 anos de poder e um pouco de lazer…”, escreveu Bonaparte no exílio após a batalha de Waterloo, “uma pessoa procuraria em vão pela antiga Paris; não sobraria nada a não ser vestígios”.

A região do Panthéon também passou por profundas mudanças.

Haussmann também foi duramente criticado por seu trabalho. O renomado estadista Jules Ferry (1832-93) escreveu: “Choramos com os olhos cheios d’água pela velha Paris, a Paris de Voltaire… a Paris de 1830 e 1848, quando vemos os grandes e intoleráveis novos prédios, a custosa confusão, a vulgaridade triunfante, o terrível materialismo que vamos transmitir para nossos descendentes.”

Ou, como o historiador do século 20 Réné Héron de Villefosse coloca, pensando particularmente na transformação de Haussmann na Île de la Cité (foto abaixo), “o velho barco de Paris foi torpedeado pelo Barão Haussmann e afundou durante seu reinado. Foi talvez o maior crime do megalomaníaco governador e também seu maior erro. Seu trabalho causou mais danos que centenas de bombardeios.”

Paris intacta pós Segunda Guerra

Quando, em 1944, as forças aliadas marcharam para libertar a cidade e Adolf Hitler ordenou que Paris fosse destruída, o comandante alemão Major General Dietrich von Choltitz se recusou a obedecer. Paris era bonita demais para ser arrasada.

Leia nosso artigo sobre a ocupação nazista em Paris na II Guerra

Os planos de Haussmann foram impressionantes pelo fato de ele ter conseguido resultados com padrões tão elevados e uniformes em tão pouco tempo. Haussmann foi um administrador determinado, tanto que demoliu até a própria casa em que nasceu – 55 rue Faubourg-du-Roule, apesar de ter boas memórias da infância.

Sobre sua primeira reunião com Haussmann em 1853, Napoleão III escreveu: “eu tinha diante de mim um dos homens mais extraordinários de nosso tempo, grande, forte, vigoroso, com energia, e ao mesmo tempo esperto e malandro, com a alma cheia de recursos”.

A parceria entre o ambicioso imperador francês e seu governante foi notória. Um ano após a demissão de Haussmann por excesso de gastos, Napoleão III caiu após a derrota da França na guerra franco-prussiana. O imperador foi para o exílio em Chiselhurst, no condado de Kent, na Inglaterra onde morreu em 1873.

Após sua demissão, Haussmann foi eleito deputado em Ajaccio, em Corsega, onde Napoleão Bonaparte nasceu.

Ele ainda encontrou tempo para escrever três volumes de memórias. Elas não são muito reconhecidas atualmente, mas sua memória ainda vive na nova Paris que ele moldou – e em cidades como Barcelona, que seguiu o exemplo de Paris e adotou a padronização como forma de planejamento urbano (foto abaixo).

BÔNUS
Separamos um vídeo que conta essa história toda em poucos minutos. Vale muita a pena assistir como complemento deste artigo.

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Meu nome é Rogerio Moreira, além de jornalista, sou publicitário e estudei em instituições como PUCC, Unicamp e FGV. Apaixonado por história, acredito que o estudo de nosso passado nos ajuda a entender como nos tornamos o que somos hoje. Nesse blog, busco reunir e compartilhar curiosidades e histórias incomuns sobre Paris e a cultura francesa. Dessa forma pretendo mostrar o lado quase que desconhecido da cidade, fora dos roteiros turísticos tradicionais. Vamos comigo nessa viagem?

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